Assistindo a um videoclipe que nunca tinha visto fui tomado de surpresa ao ver misturados "A Grande Onda de Kanagawa", do japonês Hokusai, com: "A noite estrelada", do holandês Van Gogh, e mais uma infinidade de referências artísticas - incluindo clássicos do cinema como King Kong e Drácula, em forma de historietas - somados a uma animação muito bacana, com Adão e Eva no Paraíso juntos à serpente... Ufa!
Enfim, não há como passarem despercebidos, não?!
A banda já havia chamado minha atenção anteriormente pelo seu empolgante som e sua verve Punk Cigana, mas as imagens também me capturaram para dentro de sua nova empreitada. Além da figura ímpar capitaneando o bando - fora dos padrões que a mídia tanto destaca - algo inusitado pairava no ar...
A Grande Onda de Kanagawa, mais conhecida simplesmente como ‘A Onda’, é uma famosa xilogravura do mestre japonês Katsushika Hokusai (1760 – 1849), especialista em ukiyo-e. Foi publicada em 1830/31 (no período Edo) na série 36 vistas do Monte Fuji , sendo a obra mais conhecida do artista. Na gravura observamos uma enorme onda que ameaça barcos de pescadores, na província de Kanagawa, com o monte Fuji visível ao fundo. Uma área ao redor do monte é retratada sob aspectos bem definidos, assim como nos outros trabalhos da série. Foi um artista que explorou várias temáticas por toda sua vida e chegou a ser expulso por seu primeiro mestre por discordar de seus caminhos e experimentar coisas novas.
Quatro anos após a morte de Hokusai nascia nos Países Baixos, mais exatamente em Zundert, o neerlandês Vincent Willen Van Gogh (1853 - 1890). Uma curta trajetória que se destaca por conflitos de todos os tipos: emocionais, familiares, sociais, profissionais e financeiros. Enfim, uma vida marcada por fracassos. Ele falhou em praticamente todos os aspectos importantes para a sua época.
Noite estrelada, 1889/90 |
Quando foi morar em Paris com o irmão Theo é que veio a conhecer outros grandes pintores como Tolouse Lautrec, Paul Gauguin e Edgar Degás. Uma vida boêmia misturada ao vício em absinto e tendências à problemas psicológicos, o levaram a internações em hospitais e clínicas psiquiátricas. A tela A noite estrelada foi uma das únicas que Van Gogh pintou de cabeça, usando apenas sua imaginação e memória e não 'in loco', como sempre fazia, talvez por isso cause tanto fascínio. O evento em que corta sua orelha, após brigas com Gauguin e a realização de seu auto retrato em seguida, é um caso emblemático desse gênio da pintura que só conseguiu vender um quadro em vida. O irônico é que nos tempos atuais sempre há nas listas de pinturas mais caras do mundo (as "10 mais"), duas ou três obras de Van Gogh.
Outro grande mestre japonês do mesmo período de Hokusai foi Ando Hiroshigue (1797-1858) que, às vezes, é citado como o autor de “A grande onda”. Os trabalhos dos dois artistas são contemporâneos e Hiroshigue também obteve tanto êxito quanto Hokusai, mais ainda comercialmente. É autor, entre outras séries, de '100 vistas famosas de Edo'. Van Goh chegou a copiar - ao seu estilo - duas obras conhecidas de Hiroshigue.
Pintura de VanGogh (à direita) a partir da gravura 'Ponte sob a chuva' |
'O jardim de ameixa em Kameido' (à esquerda) e pintura de Van Gogh |
A influência do Japão no Ocidente, nessa época, causou um fenômeno conhecido por Japonismo. Por volta da segunda metade do século XIX aconteceram três exposições internacionais em datas distintas em Paris e Londres, que também deram sua contribuição.
Cartaz de Jane Abril, de Tolouse Lautrec, 1899 |
O que alguns não sabem é que mesmo com o isolamento do país do Sol Nascente durante três séculos houve a abertura de certos portos e contatos com europeus, principalmente holandeses, e por esse intermédio chegaram aos olhos e mãos de estudiosos japoneses a produção artística europeia do século XVI, com seus códigos e padrões, obtendo vistas e perspectivas peculiares com a tomada de grandes paisagens da natureza, o que até então não era feito por lá de maneira sistemática como os dois mestres japoneses desenvolveriam nas vistas de suas obras mais conhecidas posteriormente. Antes os retratos de samurais e gueixas, junto a atividades do cotidiano e de flores e peixes eram a maioria e regra. As trocas e influências entre povos foram, e são, maiores do que alguns imaginam e seu complexo estudo está cheio de pormenores e intrincados fatos.
UMA VERDADEIRA ALDEIA GLOBAL
O multiculturalismo que se desenvolve hoje, conquistado aos poucos, e vivenciado pelo mundo a partir de barreiras que foram caindo (muros, ditaduras e mudanças em sistemas políticos) e mais fortemente ainda na era da informação (quase) sem fronteiras, conectados via satélite, e recentemente pelas facilidades da internet e redes sociais, permitem trocas mais acentuadas de suas experiências. Uma verdadeira aldeia global.
Com o lançamento do 5° CD: Trans-continental Hustle (2010) a Gogol Bordello vem reforçar suas tendências para avançar mundo afora, com sua mistura de idiomas e variações instrumentais. Violão atento às tradições ciganas, violino e acordeon formam sua base. A formação do grupo foi em Nova York e a maior parte de suas músicas são cantadas em inglês, mesmo com o sotaque carregado de Eugene. Isso inclusive não deve ser escondido dentro desse projeto e forma de encarar o mundo e a vida. O frotman que também já chegou a morar no Brasil e para cá vem frequentemente, diz que tem sempre muitas ideias e inspirações quando em solo brasileiro. Há uma canção em português e outra que faz menção à passagens por Pernambuco. A primeira música do album é Pala Tute (o refrão: 'Lela Pala Tute', vem do Romeno e quer dizer, aproximadamente: "faça ela ser sua")
Gogol Bordello, por exemplo, reflete bem essa mistura de experiências. Cultivam esse espírito plural e é formada por integrantes oriundos de vários países e descendências distintas. Eugene Hutz, lider da banda, é ucraniano com ascendência russa e de ciganos romenos. A família imigrou aos Estados Unidos, depois de uma vasta experiência como refugiados, passando por: Polônia, Hungria, Áustria e Itália. Além de cantor, instrumentista e compositor ele é ator. Participou dos filmes "Uma vida iluminada", com Elijah Wodd e "Sujos e sábios", película dirigida por Madonna (?!).
Pela música Immigraniada, e seu videoclipe, podemos ver essa mistura ainda mais acentuada e o tom PunkRock que predomina em seus shows, cercados de energia e performances contagiantes. Não há nada igual, com essa mesma vibração, na atualidade. Pode-se estranhar logo de início a Gogol Bordello, mas esse mesmo estranhamento - como se diz por aí - pode ser o princípio de algo mais intenso. Quem sabe um primeiro passo à admiração? Ou, pelo menos, não passarão despercebidos...
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